sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Vidas Interrompidas

EU sou completamente adepta da paz, tenho muita dificuldade em aceitar qualquer tipo de violência. A chacina em Paris da equipe de jornalistas do Charlie Hebdo, acrescida de quatro judeus, feito reféns e mortos por terroristas islâmicos, chocou-me intensamente, trazendo na sua magnitude profunda inquietação e tristeza, frutos de atos inomináveis.

Os jornalistas do Charlie usam como material de trabalho charges. A força da imagem é extremamente poderosa, dotada de um vigor que atinge nossos sentidos, penetrando nos nossos corações e mentes, de modo muito mais eficaz do que a palavra grafada ou verbalizada.  As imagens povoam nosso ser desde os primórdios da vida, por conseguinte, ocupam na escala linguística papel de suma importância e, infelizmente, essas imagens  desencadearam uma tragédia sem precedentes, um ataque à liberdade de expressão.

Esse doloroso e cruel atentado aos chargistas tem sido comentado como sendo resultante de um tremendo fanatismo religioso que tentaria impor ao mundo ocidental seus valores, ideias e modos de existir. Penso que a fúria expressa nesse massacre precisa ser examinada de uma forma mais ampla, pois foi inserido em um contexto, no mundo ocidental, mais precisamente em Paris, há muito fervilhante. O extremismo religioso, de um lado e a liberdade de expressão dos chargistas serviram de mais material explosivo a um contexto social e político de grande turbulência.

O Oriente Médio vem passando por grande desintegração. O Iraque destruído tornou-se presa fácil do fundamentalismo do Estado Islâmico, o mesmo acontecendo com a Síria. Guerras e mais guerras se sucedem, onde o povo passa agruras incríveis, tentando de qualquer maneira imigrar, buscando países já com boa densidade de imigrantes.

Temos assistido na Europa grandes campanhas contra os imigrantes. A chanceler Angela Merkel vem denunciando, com frequência, o ódio e a intolerância que marcam essas manifestações. Em Paris, a direita, comandada por Marie Le Pen e outros, instiga uma xenofobia marcante que nesse momento acaba sendo justificada.

A imprensa precisa ser livre, qualquer ameaça a ela me causa repulsa e pavor. Nós sabemos o quanto governos autoritários odeiam tudo aquilo que não lhes diga amém. Ansiamos pela liberdade quer seja de culto, de expressão, de opiniões divergentes, de culturas diversas, mas infelizmente não é tão fácil viver na diversidade. Os espaços acabam sendo disputados até no mercado de trabalho, há choques culturais com diferentes modos de existir.

O ambiente geográfico e social não é nada acolhedor para os muçulmanos que vivem em guetos, se amontoando nas periferias, sabendo que são odiados, detestados e ridiculizados pelas suas roupas, religião, modos de viver, enfim pela sua cultura. Acresce ainda a dificuldade dos muçulmanos de se inserirem na cultura ocidental intensificando a separação. Adeptos da religião islâmica são facilmente confundidos com terroristas e extremistas o que têm sido motivo de grande desgosto por parte da população religiosa, assim sendo o clima é de muita hostilidade.

Os dois lados dessa tragédia precisam ser olhados: a violência monstruosa dos terroristas que possuem motivações que vão além de um ataque religioso, nem por isso aceitáveis, e as charges do Charlie Hebdo, já conhecidas pelo peso que elas engendram, e que acabaram, em minha opinião, servindo de alvo. O excesso de irreverência nem sempre é aceito com facilidade.


Eu estou padecendo de mais uma dor: além da barbárie em Paris, Alex, um jovem brasileiro, brilhante aluno da UFRJ, que arduamente se preparava para contribuir para o mundo científico, perdeu a vida em um assalto em Botafogo, às portas da Universidade. Foi-lhe tirada a sagrada liberdade de ir e vir. Mais um jovem que sucumbe vítima da violência.

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