Nós brasileiros estamos de luto |
Há muito tempo acompanho o mensalão e o julgamento dos réus
envolvidos neste triste espetáculo que se desenvolveu no país, cujo objetivo
era fortalecer o poder vigente, colocando em risco o nosso já
abalado processo
democrático.
Durante as sessões do Supremo Tribunal Federal, foram
exibidas provas bastante incisivas que convergiam para a condenação da maioria
dos réus.
Os juízes professavam seus votos de maneira clara e de forma
contundente. Entretanto, chamou a minha atenção, e até me deixou surpresa, as expressões
duríssimas enunciadas pelo Ministro Celso de Melo, tais como “nunca presenciei
um caso em que o delito se apresentasse tão nitidamente caracterizado”. “A essa
sociedade de delinquentes o delito penal brasileiro dá um nome, o de quadrilha
ou bando” o ministro prossegui: “esses
atos significam uma tentativa imoral e ilícita de manipular criminalmente, à
margem do sistema funcional, o processo democrático”. Achando que ainda era insuficiente,
completou: “esse processo revela um dos episódios mais vergonhosos da história
política de nosso país”. “Os réus são marginais do poder, quadrilha de
bandoleiros de estrada, verdadeiros assaltantes dos cofres públicos”, concluiu o
juiz Celso de Melo.
Essas palavras foram proferidas em sessão plenária do
Supremo Tribunal durante o julgamento do mensalão e presenciado por milhões de
brasileiros ao vivo. Com essa veemência e eloquência, e confiante nas provas
encontradas, o Ministro Celso de Melo condenou alguns dos réus pelo crime de
formação de quadrilha.
O Ministro não se encontrava em uma conversa entre amigos em
um bar, creio também que não foi por leviandade que usou palavras tão fortes.
Era visível a sua indignação, mas não me pareceu mera catarse. Suas palavras
transmitiam firmeza e crença nas suas convicções. Aliás, Vossa Excelência
sempre se mostrou minucioso nas questões das leis, o que é um mérito.
Pareceu-me, entretanto, paradoxal alguém que condena os réus
de forma categórica, votar a favor dos embargos infringentes. Posso até
compreender seu notório saber a respeito de leis, porém, sem desejar lhe faltar
ao respeito, jamais pensei que o seu olhar pudesse ser tão fatiado (palavra em
voga) e que votasse a favor dos embargos infringentes.
O Ministro fez uma
leitura parcial da situação, esqueceu-se de olhar o Brasil, para a população
que anseia por um país melhor. Não desejamos fazer pressão, nem um Ministro
deve votar simplesmente para agradar à população, porém ter um olhar mais
abrangente, evitando a dissociação entre o coração e a mente, e focando nas graves
consequências desse voto.
É do conhecimento de Vossa Excelência os embargos dos
embargos, é do seu conhecimento que há novos ministros no tribunal e um deles
já fez pronunciamentos contra a dureza desse processo. Acredito que ele também
conheça a corrupção bárbara que assola o país e que apesar da tributação
excessiva, que arrecada quatro meses do salário do brasileiro por ano, os índices
sociais são de envergonhar qualquer um. A sétima economia do mundo deixa sua
população a mercê de serviços essenciais deprimentes.
O desencanto e a frustração a que fomos submetidos trouxe de
volta a falta de credibilidade nas Instituições. Estamos falando da mais alta
corte do país que indiretamente votou a favor da impunidade.
Entre a veracidade dos fatos, a coerência, a lucidez, a
sensibilidade, venceu, na melhor das hipóteses, a técnica ou a política. Perderam
milhões de brasileiros sufocados por “malfeitos” que ocorrem diariamente em
todos os níveis de todas as instituições e que são torturados cotidianamente
quando necessitam utilizar serviços essenciais degradados sempre por falta de
verba. Venceu a corrupção bem robustecida por sinal, com o pomposo nome de
caixa dois. Acham bacana ter caixa dois.
O Ministro teve de pesar a legalidade do processo e arcar com
o custo social de sua escolha, afinal, a mensagem que o STF enviou a todo
Brasil é de que nesta terra tudo é permitido. Nosso decano optou observando as
regras e as ciências jurídicas, obedecendo as leis em um país sem leis. Com
isto, a impunidade é quase certa para os grandes nomes deste julgamento que
mais uma vez escapam e poderão continuar fazendo seus estratagemas hediondos,
rindo de nossa cara estupefata com o resultado do julgamento. Essa é a
diferença entre nós e eles, nós cidadãos de bem, seguimos as regras de um jogo,
enquanto estes que como peixes ensaboados, escorregam da justiça sem nenhum
apreço pela moral e ética.
Muitos Ministros lutaram contra a impunidade. Outros lhes
faltaram a sabedoria, aliás, é penosa a existência de sábios sem sabedoria.
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