EU sou completamente adepta da paz, tenho muita dificuldade
em aceitar qualquer tipo de violência. A chacina em Paris da equipe de
jornalistas do Charlie Hebdo, acrescida de quatro judeus, feito reféns e mortos
por terroristas islâmicos, chocou-me intensamente, trazendo na sua magnitude
profunda inquietação e tristeza, frutos de atos inomináveis.
Os jornalistas do Charlie usam como material de trabalho
charges. A força da imagem é extremamente poderosa, dotada de um vigor que
atinge nossos sentidos, penetrando nos nossos corações e mentes, de modo muito
mais eficaz do que a palavra grafada ou verbalizada. As imagens povoam nosso ser desde os
primórdios da vida, por conseguinte, ocupam na escala linguística papel de suma
importância e, infelizmente, essas imagens
desencadearam uma tragédia sem precedentes, um ataque à liberdade de
expressão.
Esse doloroso e cruel atentado aos chargistas tem sido
comentado como sendo resultante de um tremendo fanatismo religioso que tentaria
impor ao mundo ocidental seus valores, ideias e modos de existir. Penso que a
fúria expressa nesse massacre precisa ser examinada de uma forma mais ampla,
pois foi inserido em um contexto, no mundo ocidental, mais precisamente em Paris,
há muito fervilhante. O extremismo religioso, de um lado e a liberdade de
expressão dos chargistas serviram de mais material explosivo a um contexto
social e político de grande turbulência.
O Oriente Médio vem passando por grande desintegração. O
Iraque destruído tornou-se presa fácil do fundamentalismo do Estado Islâmico, o
mesmo acontecendo com a Síria. Guerras e mais guerras se sucedem, onde o povo
passa agruras incríveis, tentando de qualquer maneira imigrar, buscando países
já com boa densidade de imigrantes.
Temos assistido na Europa grandes campanhas contra os
imigrantes. A chanceler Angela Merkel vem denunciando, com frequência, o ódio e
a intolerância que marcam essas manifestações. Em Paris, a direita, comandada
por Marie Le Pen e outros, instiga uma xenofobia marcante que nesse momento acaba
sendo justificada.
A imprensa precisa ser livre, qualquer ameaça a ela me causa
repulsa e pavor. Nós sabemos o quanto governos autoritários odeiam tudo aquilo que
não lhes diga amém. Ansiamos pela liberdade quer seja de culto, de expressão,
de opiniões divergentes, de culturas diversas, mas infelizmente não é tão fácil
viver na diversidade. Os espaços acabam sendo disputados até no mercado de
trabalho, há choques culturais com diferentes modos de existir.
O ambiente geográfico e social não é nada acolhedor para os
muçulmanos que vivem em guetos, se amontoando nas periferias, sabendo que são
odiados, detestados e ridiculizados pelas suas roupas, religião, modos de
viver, enfim pela sua cultura. Acresce ainda a dificuldade dos muçulmanos de se
inserirem na cultura ocidental intensificando a separação. Adeptos da religião
islâmica são facilmente confundidos com terroristas e extremistas o que têm
sido motivo de grande desgosto por parte da população religiosa, assim sendo o
clima é de muita hostilidade.
Os dois lados dessa tragédia precisam ser olhados: a
violência monstruosa dos terroristas que possuem motivações que vão além de um
ataque religioso, nem por isso aceitáveis, e as charges do Charlie Hebdo, já
conhecidas pelo peso que elas engendram, e que acabaram, em minha opinião,
servindo de alvo. O excesso de irreverência nem sempre é aceito com facilidade.
Eu estou padecendo de mais uma dor: além da barbárie em
Paris, Alex, um jovem brasileiro, brilhante aluno da UFRJ, que arduamente se
preparava para contribuir para o mundo científico, perdeu a vida em um assalto
em Botafogo, às portas da Universidade. Foi-lhe tirada a sagrada liberdade de
ir e vir. Mais um jovem que sucumbe vítima da violência.
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