A notícia do fechamento do cinema Leblon trouxe grande
inquietação aos corações e mentes dos admiradores da sétima arte. Sou uma
cinéfila de carteirinha, amo cinema, em especial o cinema Leblon com a sua
arquitetura, mesmo carecendo de conforto.
Sei que esse é um assunto sujeito a controvérsias, mas acho
importante que a razão e a emoção possam estar em pleno funcionamento, pois do
contrário, poderemos estar contribuindo para um desfecho puramente emocional ou
até comercial, o que no meu modo de entender, seria dramático.
O jornal O Globo publicou, no dia 25/6/2014, um
abaixo-assinado sob o título de SALVE O CINEMA LEBLON. Trata-se de um pedido ao
nosso Prefeito Eduardo Paes para que se sensibilize e permita a construção de
um edifício comercial que seria o financiador viável para a execução do projeto
que conglomerariam três cinemas, uma livraria e um café.
Chamou a minha atenção não ser mencionado que estamos
falando de um prédio tombado pelo Patrimônio devido ao se projeto arquitetônico
e pertencer ao estilo art déco, especificamente mencionado na lei de 2001 que
preserva o ambiente cultural do Leblon.
Os signatários dessa carta ao Prefeito são cinquenta e oito
profissionais: vários cineastas, muitos artistas, alguns jornalistas, poucos
médicos, um engenheiro de petróleo, empresários em número proporcionalmente
maior e um arquiteto especializado em decorações de interiores. Não foi nenhuma surpresa constatar que nenhum
arquiteto ou nenhum urbanista participasse desse abaixo-assinado.
O bairro é
constituído por um tripé formado pelo ambiente, moradores e a atividade
comercial. Qualquer decisão tomada que indique a supervalorização de um aspecto
em detrimento do outro ou dos outros estará cometendo um grave equívoco,
comprometendo ainda mais o incipiente planejamento urbano do bairro.
Gostaria de tecer alguns comentários:
Creio que se torna necessário pensarmos, no momento, a
cultura na qual estamos inseridos. Sou completamente fanática pela
cinematografia e muito assídua às salas de exibição. Minha observação é de que
o esvaziamento dos cinemas é chocante, os frequentadores semanais são, em
maioria esmagadora, formados por pessoas idosas, em geral muitas mulheres e
alguns casais. Os jovens vão pouco ao cinema, apenas nos grandes lançamentos.
Assim todas as salas de cinema parecem estar operando com prejuízo, não se
trata só do cine Leblon.
Um verdadeiro amante de cinema costuma rejeitar filme na TV,
filme é no cinema! O delicioso clima intimista da sala de espera, a tela enorme
e as maravilhas que a arte cinematográfica nos oferece, nos conteúdos, nos
atores, trilhas sonoras, fotografias, costumes e todo o visual que compõem o
filme não exercem suficiente atração nos jovens.
Nossos jovens, desde pequeninos, estão imersos na computação
e poucos fazem uso dessa ferramenta para experimentar a sétima arte.
Concomitante a isso, a TV marca sua presença com extensa programação fazendo
com que a juventude se isole em suas casas, sem experimentar o aspecto coletivo
de se estar no cinema. O terceiro concorrente, este no meu entender o pior
deles, são os bares. Qualquer profissional da área de saúde mental sabe que é
um desatino o excesso de bares com muita proximidade entre os mesmos. Só aqui
no Leblon, há na Dias Ferreira, quatro bares colados, e pouco adiante, um maior
conhecido pelo codinome de Terror dos Moradores. Os jovens preferem ver e serem
vistos em bares, colocando fotos no Facebook e Instagram, do que irem à salas
escuras com estranhos experimentar outras fontes de cultura.
Voltando a questão, a emoção não deve obscurecer a razão e
nem os aspectos legais. Atos dessa natureza formam uma rede negra de
consequências desastrosas para o Leblon. Só o Cinema Leblon teria direito a ser
uma exceção?
A abertura desse precedente é perigosíssima e sombreia o
nosso bairro, já tão desfigurado. O
Leblon possui centenas de prédios “apacados” que buscarão, sem sombra de
dúvida, os mesmos direitos concedidos ao cinema Leblon. Seria uma tremenda
arbitrariedade permitir um prédio comercial no cinema Leblon e deixar os outros
sem igual tratamento.
O imediatismo para solucionar o problema do proprietário do
cinema, que vê no seu terreno um potencial econômico maravilhoso (peço
desculpas pela minha franqueza, mas deve haver outras saídas para o cinema que
não seja essa), pode trazer consequências dramáticas para a vida de milhares de
moradores desse bairro.
O Leblon não tem mais por onde se alargar, o tecido
urbano já foi esgarçado muito além do que era possível para um bairro de
dimensões mínimas.
Na carta, há uma menção de que o Rio de Janeiro é exportador
de cultura para o Brasil e para o mundo. Privilegiar a atividade comercial e permitir
que os moradores sofram as consequências é um indicador de cultura? Compactuar
com leis que fluam de acordo com a conveniência dos proprietários dos imóveis, mesmo
que estejam provocando controvérsia? Será uma atitude culta se projetar um
adensamento populacional, sem precedentes, caso haja revisão dos outros
prédios?
A pressa pode impedir que se tomem atitudes corretas e justas.
Nessa lista há alguns nomes de grande respeitabilidade, mas será que podem
substituir uma apreciação dos que aqui residem? Aos que mencionaram a cultura,
quero lembra-los que o respeito aos cidadãos desse bairro, faz parte de uma
bagagem cultural.
Daqui a 50 anos, talvez não tenhamos mais nenhum cinema de
rua ou de shopping, no entanto a decisão que for tomada agora pode significar:
manter uma relíquia, uma verdadeira joia arquitetônica de um tempo passado,
intacta para registro de nossa história, ou permitir a construção de mais um
espigão num bairro que vem sendo marcado pela recente descaracterização. Essa
solução é mais uma ação paliativa para tentar manter no “CTI” um grupo de
cinema que passa dificuldades financeiras, a pergunta é quanto tempo ela ira
durar e que preço pagaremos por isso.