quarta-feira, 28 de novembro de 2012

ENEM: estudar para quê?

A partir do resultado do ENEM, resolvi tratar de algumas questões que há muito me fazem pensar: a enorme dificuldade e o grande desinteresse que as crianças denotam em relação aos estudos.
O assunto é de uma complexidade imensa, mas gostaria de abordar alguns pontos que tornam o estudar um suplício para grande número de alunos.

A observação dos currículos me dá a impressão de que o volume de informações e conhecimentos que se pretende que o aluno saiba é enorme em detrimento do pensar, estabelecer relações, ter juízo crítico e criar. Não existe a preocupação em se atrair a criança para o que está próximo a ela, pois ao se iniciarem as atividades escolares, o desenvolvimento cognitivo é favorecido por atividades da vida cotidiana. A metodologia é distante das propostas do mundo atual que é desenvolver o pensamento. Além disso, estarão os professores preparados e motivados para novas abordagens de ensino? Não podemos nos esquecer de que há muito tempo a remuneração dos professores é vergonhosa, o que afasta profissionais que optam por outras carreiras.

Outro fator importante diz respeito ao exacerbado número de compromissos imposto às crianças: horário escolar, deveres de casa, prática de esportes, cursos de línguas estrangeiras, consultas médicas, etc., sem contar com os  estafantes congestionamentos do trânsito que certamente são perturbadores e contribuem para um desgaste físico e mental.

Igualmente importantes na vida das crianças são as mudanças da organização familiar. A estrutura da família obedece a padrões diferenciados: casais que trabalham fora, casais que se separam e os filhos passam a ter novos irmãos provenientes dos casamentos anteriores dos pais, casais homoafetivos, mulheres que sustentam e cuidam de seus filhos sozinhas, etc. Essas mudanças afetam a vida das crianças e novos desafios emocionais surgem diante de uma mente em desenvolvimento. Nessa cultura atual tudo parece natural para os pais, mas não é, porque o mundo interno infantil se torna assoberbado e sem possibilidades de enfrentar a multiplicidade de situações que o mundo externo lhe oferece.

Como consequência do exposto acima, vemos as crianças ansiosas, sem conseguir concentrar a atenção, hiperativas, praticantes de bullying. Muitos pais percebem isso e as encaminham ao médico que revela se tratar de déficit de atenção e hiperatividade. É possível que algumas crianças possuam este déficit, porém o que me parece é que se trata de um quadro de forte ansiedade. Crianças inquietas e aflitas sofrem e não conseguem bom rendimento escolar.

Não estou dizendo que em outras épocas as crianças não padecessem de ansiedade, até porque certo nível de ansiedade é necessária à vida, porem, atualmente, chama a atenção o expressivo número de crianças ansiosas. Penso que o tempo dos pais, devido ao excesso de trabalho, é exíguo, e então, do ponto de vista afetivo e relacional, eles não têm condições de atender às necessidades das crianças mais aflitas, que sentem o desconforto, mas não conseguem lidar com ele. Diante desse impasse os pais também sofrem.

As saídas que as crianças encontram para seus padecimentos, pelo menos de momento, infelizmente, chamam-se iPad, Facebook, iPod, iPhone e derivados, se refugiando na conectividade.
Finalmente, ao chegarem ao ensino médio, nova batalha se impõe, o ENEM, e aí novas configurações emocionais surgem. Criados sob a égide do consumo, os jovens  percebem no topo da pirâmide os jogadores de futebol e as “top models”, e na parte inferior, os que com muito esforço conseguiram vencer todos os entraves, os médicos, advogados cientistas, pesquisadores, professores (destes, nem dá para se falar, os coitados), profissionais que chegam ao pós-doutorado, que lutam por um  retorno financeiro compatível com as necessidades de uma vida com razoável conforto. Entretanto, a frustração é paralisante, pois o retorno financeiro é irrisório visto o tempo e a dedicação investido.

Portanto, a pergunta é: vale a pena estudar? É só olhar as praias em dias ensolarados durante a semana e a frequência noturna aos bares, aí termos a resposta.

2 comentários:

  1. Realmente essa é uma situação muito complicada.
    No Brasil está cada vez mais se difundindo o uso de medicamentos contra o déficit de atenção. Mas isso só mascara o verdadeiro problema que é a obsolecência do estudo no país.

    Nossos alunos, especialmente para vestibulares e o ENEM, infelizmente são domesticados a decorarem questões e aprenderem matérias que terão muito pouca utilidade em sua carreira profissional ou até no seu exercício da cidadania.
    Pensamento crítico é algo tem que se aprender fora da escola.

    Acho que essa situação só se reverterá quando ocorrer uma verdadeira revolução da educação no Brasil. Com uma melhora drástica na qualidade de ensino nas escolas públicas e a discussão de assuntos negligenciados como os direitos e deveres dos cidadãos.

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    1. Olá Frederico,
      Adorei a sua contribuição. É impressionante a total ausência de cidadania, mas o que mais me impressiona é que a população não se interessa por isso, não entendem a força que podem ter nas mãos.
      Marbel

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