Caos no Leblon (foto:Portal do Leblon) |
“Não são os negócios que são feitos na cidade, é o uso da
cidade como negócio”. Essa magnífica frase foi proferida por Luiz Cesar de
Queiroz Ribeiro, professor do Instituto de Planejamento Urbano e Regional da
UFRJ a respeito do atual momento que se vive no Rio de Janeiro.
Esse assunto remeteu-me há alguns anos atrás onde havia
certa preocupação com a parte urbanística da cidade. Do Prefeito Saturnino
Braga tivemos a redução do gabarito das edificações do Leblon, de César Maia em
seu primeiro governo trouxe-nos a APAC, um modelo destinado a conter a
especulação imobiliária. É do conhecimento dos cariocas que os empresários, em
sua grande maioria, sempre revelaram uma notável despreocupação com a parte
urbanística do entorno. Igualmente um olhar para as comunidades, através do projeto
favela bairro, mereceu a atenção de Cesar Maia.
O Rio também apresentava uma divisão em zonas residenciais e
zonas comerciais, o que nos transmitia a ideia de que alguma tentativa de organizar
a cidade se fazia presente. A cidade era pensada e a população que aqui residia
sentia-se integrada ao ambiente.
De poucos anos para cá muitas mudanças se processaram e a cidade
passou por uma grande reviravolta, porém o que se desenrolava me dava a
impressão de algo atabalhoado, sem um planejamento urbanístico, por
conseguinte, alijando a população do contexto geral.
Há muitos fatores envolvidos nessa triste trajetória, mas
creio que o fator econômico eclipsou valores da mais alta importância. Acredito
que a remuneração do nosso trabalho foi a protagonista desta nova realidade.
Tomo como exemplo, os salários; pessoas graduadas e até com doutorado recebem
mensalmente uma quantia incompatível com o custo Rio de vida, desestimulando o emprego formal. Profissionais
de nível médio, além de terem uma qualificação que deixa muito a desejar,
também não se motivam muito a cumprir as exigências de seus patrões. É
conhecida a defasagem de funcionários de hotelaria, restaurantes, lojas etc. A
classe que recebe bolsa família também está há léguas de distância de qualquer
emprego com carteira assinada.
Com a necessidade de busca por subsistência, houve uma maior
demanda por espaços comerciais na cidade, algo que a prefeitura não soube
administrar. Os alvarás são concedidos de forma irresponsável, sem preocupação
com seu impacto ambiental, com o trânsito e etc. O absurdo é tamanho que me questiono
sobre a idoneidade do órgão e dos fiscalizadores públicos. O desenvolvimento econômico,
que é algo deveria ser uma benção, se tornou um problema, gerando desordem e
caos nas ruas da cidade.
Os bairros passaram a ser invadidos, tomo como exemplo o
Leblon. Os pequenos edifícios, com seus apartamentos de minúsculos quartos foram
transformados em lojas de decoração e até boutiques em ruas residenciais. Alguns
desses prédios são mistos, doublê de residências e comércio. Outros se
fantasiaram de hostels utilizando toda uma dinâmica de infraestrutura que
necessitam, sobrecarregando as já frágeis ruas do bairro.
As empresas foram surgindo e se estabelecendo, adentrando as
ruas, sem nenhuma preocupação, todas funcionando com o aval da Prefeitura,
respeitando, segundo elas, as leis. Afinal, a inexistência de terrenos
disponíveis para o estabelecimento de empresas faz com que elas passem a
funcionar em qualquer local, independente do transtorno que possam causar.
Exatamente essa é a situação de bares e restaurantes, invadindo
espaços exíguos, sempre de portas abertas se expandindo de forma abusiva,
tomando calçadas e ruas traumatizando os cidadãos que tiveram a desventura de
residirem acima deles e também revoltando a redondeza. Pessoal, duro é passar
perto desses templos de balbúrdia e desordem e ainda sentir o odor de gordura
usada nos alimentos, se espalhando no ar, invadindo apartamentos. Podem também
me chamar de bairrista, não vou me importar. Se ser bairrista é não apreciar
uma população de visitantes que não se importa de fazer bagunça na seara dos
outros, desde que a sua esteja limpa, então sou bairrista.
E a nossa praia? Ai meu Deus, nem gosto de olhar. Filiais de
restaurantes tomaram de assalto a orla, a cerveja Itaipava patrocinou, sem o
menor pudor, dezenas de barracas, completamente nojentas, com seus imundos
isopores, disputando lugar com os banhistas que vieram para se divertir, além
de espoliá-los com exorbitantes preços. E os ambulantes? Estes vendem de tudo,
até do que é proibido, incluindo o matte com água de esgoto. A visão que se descortinava do mar? Parece que,
diante do fator econômico, tudo virou bobagem. Não podemos nos esquecer que a areia da praia também está à
disposição de professores de educação física que estabeleceram suas escolinhas
de vôlei no espaço público.
Como consequência dessa tomada do bairro para uso comercial
desenfreado, sofremos um verdadeiro assalto, um bairro outrora calmo, simples e
por isso mesmo encantador, nos fora roubado. Ninguém é dono de um bairro, mas
essa transformação, ou melhor, essa transfiguração que matou o carisma do
Leblon, alterou dramaticamente a vida dos moradores.
Passamos a ter um fluxo excessivo de automóveis, de
caminhões que descarregam mercadorias, de vans de turismo que estacionam em
nossas ruas e de vans escolares, estas, aliás, pioneiras na arte de usurpar o
espaço público gratuitamente. O aumento do lixo lançado nas ruas, de objetos e
até de colchões passou a fazer parte do nosso cenário.
O número de reclamações e queixas é assustador, porém o mais
doloroso é a minha crença de que essa transformação social e cultural a qual a
cidade, de um modo geral, vem sendo submetida, levando-nos a uma crescente
desordem urbana, dificilmente será revertida. Precisaríamos de uma boa
movimentação, um confronto com o poder público que, com a sua omissão, comporta-se
de modo deplorável, vendo toda a cidade se transformar em um grande camelódromo.
Como sou do tipo que não desiste, vi no isoporzinho, uma pequena iniciativa,
que, se seguida, poderá se reverter em bons frutos.
Podemos ver nessas transformações sinais de progresso ou tremendo
atraso?
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